segunda-feira, 29 de abril de 2013

Sexto Sermão de Mestre Eckhart


SEXTO SERMÃO

INTRAVIT JESUS IN TEMPLUM DEI ET EJICIEBAT OMNES VENDENTES ET EMENTES
(Mat 21:12)

Lemos na Escritura Sagrada, que Nosso Senhor foi ao templo, e que dali expulsou aqueles que estavam comprando e vendendo, e deu um ultimato aos que vendiam pombas e coisas assim: “Retirem daqui estas coisas, levem-nas embora!”

Qual a razão porque Jesus fez retirar os vendilhões, e mandou os que vendiam pombas se retirarem do recinto? Sua intenção nada mais era que limpar o Templo, como dizendo: Eu sou o dono de direito deste Templo, e o quero só para mim. Que quer dizer isto? Este templo no qual Deus seria senhor único, é a alma humana, a qual Ele criou exatamente da mesma forma que Ele mesmo é, como está escrito por Nosso Senhor: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”(Gen., 26). E foi isto exatamente que foi feito. Tão semelhante a Si mesmo Deus erigiu a alma humana, que não há nada entre o Céu e a Terra, apesar de toda variedade de criaturas que Deus fez, com tanta alegria, que mais se pareça a Deus, que a alma humana. Por isto é que Deus deseja este templo completamente limpo, para que possa ocupá-lo apenas Ele. Isto se deve ao fato que este templo lhe é tão agradável, por sua semelhança a Si mesmo, e tão à vontade Ele se encontra, ao ali se ver sozinho.


Notem cuidadosamente quem eram os vendilhões do templo, e quem são eles ainda hoje. Neste sermão eu mencionarei apenas os bons. Mesmo assim, eu mostrarei quem eram os vendilhões — e quem eles são ainda hoje — que comprando e vendendo desta forma, foram banidos por Nosso Senhor. Ainda hoje, Ele expulsa quem negocia neste templo: a nenhum deles é permitido ali permanecer. São mercadores todos aqueles que, mesmo evitando pecado mortal, e querendo ser virtuosos, fazem suas boas obras, tais como jejuns, vigílias, preces e este tipo de coisas, para a glória de Deus, mas o fazem querendo algo em troca de Nosso Senhor, ou para obrigarem a Deus a lhes restituir de alguma forma — são estes os chamados vendilhões. Isto é evidente, pois eles desejam barganhar, e assim fazer um negócio com Nosso Senhor. Mas nesta barganha muito se enganam, pois se tudo entregam do que têm e do que fazem, para Deus, e se extinguem por Deus, Deus não está obrigado a lhes devolver nada, nem nada realizar por eles, a menos que o faça livremente, e sem obrigações. Pois seu ser o receberam de Deus, e o que possuem também veio de Deus, e não de seus próprios méritos. Logo, Deus não tem qualquer obrigação de fazer devoluções, nem de suas ações, nem de suas oferendas, a menos que Ele o queira, por Sua graça, e não pelo que eles deram ou fizeram; pois eles não doaram de si mesmos, nem agiram por si mesmos, como diz Cristo: “Sem mim, nada podereis fazer”(João, 15:5). Néscios são estes que negociaram assim com Nosso Senhor: da verdade conhecem pouco, ou nada. Por isto foram expulsos do templo por Nosso Senhor. A luz e as trevas não podem coexistir. Deus, que é a verdade, é a luz. Ao entrar no templo, Deus exclui a ignorância, que são as trevas, e se mostra na luz e na verdade. Os vendilhões devem se retirar, ao se revelar a verdade, por que na verdade não há negócios. Àqueles que são Seus, Deus não procura. Ele tem liberdade total em suas ações, às quais Ele realiza por amor verdadeiro. Da mesma forma, age o homem unido a Deus, sendo de uma liberdade total em suas ações: tudo ele faz por amor, e sem ter porquê — somente pela glória de Deus, e não buscando levar vantagem, e Deus age em conjunto com este homem.


Eu vou mais além: quando a pessoa ao agir, deseja algo de Deus, ele fica assim no mesmo nível dos mercadores. Se você deseja ficar completamente sem mácula de mercadores, para que Deus o deixe entrar em Seu templo, então tudo que você fizer deve ser pela glória de Deus, e você deve estar completamente livre disto, como o Nada, cuja natureza não está em parte alguma. Nada deve requisitar em troca. Sempre que agir desta forma, seus trabalhos estão no mundo do espírito e são sagrados, os vendilhões foram expulsos do templo, e ali está Deus somente, pois só Deus estará em seus pensamentos. Assim se limpa o templo dos mercadores! Aquele que considera apenas a Deus, e a glória de Deus, está absolutamente livre de toda sujeira de comércio em suas ações, e para si mesmo nada buscará, como Deus também é totalmente livre no que faz, e nada busca para Si mesmo.

Já mencionei também como Nosso Senhor falou com aqueles que negociavam com pombas: “Levem-nas embora, tirem isto daqui!” Ele não ejetou essas pessoas, ou as tratou duramente, mas foi, ao invés, muito carinhoso, “Levem-nas daqui!” , como se estivesse dizendo não se tratar propriamente de um equívoco, mas era mais um tipo de obstáculo à verdade pura e nua. Todas essas pessoas eram boas, todos obravam por Deus, e não para si, mas estavam apegados aos frutos da obra. Isto lhes causa obstáculos para chegarem à mais alta realização da verdade, para estarem por inteiro livres e desimpedidos, como estava Nosso Senhor Jesus Cristo, que se concebia a Si mesmo, sempre renovado incessantemente, vivendo no templo de Seu Pai Celeste, e mesmo neste momento presente, renascendo continuamente com louvor e ação de graças, perfeito, na mesma majestade do Pai e com glória igual. Logo, para ser receptivo à mais alta verdade, e para ali estabelecer residência, a pessoa precisa ser sem um antes e depois, desimpedido em suas ações, e livre de quaisquer imagens que tenham sido concebidas por si, livre e vazio, vivendo no presente eterno, e o concebendo com louvor e ação de graças, em Nosso Senhor Jesus Cristo. Somente então teriam partido “as pombas”, leia-se aqui o apego, e os obstáculos criados pelas obras, boas em si mesmas, nas quais a pessoa ainda busca algo para si mesmo. Assim disse Nosso Senhor, bondosamente: “Levem isto embora, tirem-no daqui!” , como se dissesse, “Isto é ótimo, mas estorva o Caminho”.

Quando o templo estiver assim purificado e sem obstáculos, então aquilo brilhará lindamente, fulgurando acima de tudo que foi criado por Deus, em toda Sua criação, de tal forma que seja inigualável por tudo, exceto o Deus não-criado. Nada pode se comparar a este templo, exceto o não-criado. Nada existe abaixo dos anjos que se compare a esse templo. O mais elevado anjo em muito se assemelha a esse templo da alma nobre, mas não de todas as maneiras. A sua parcial semelhança à alma, consiste no conhecimento e no amor. Mas isto tem um limite, e além disto eles não podem prosseguir. A alma vai além disto. Se a alma da pessoa, em sua existência temporal, fosse semelhante à do mais elevado anjo — ainda assim potencialmente esta pessoa poderia se colocar infinitamente além deste anjo, sempre se renovando, neste agora atemporal, e isto sem a menor restrição: acima da modalidade angélica e de toda inteligência criada. Deus apenas é livre e não-criado, e assim somente Ele está só, como a alma liberta, que, apesar de criada, é idêntica a Ele no seu aspecto não-criado. E quando ela surge na luz pura, ela está no Nada, longe do que foi criado, e com suas forças ela não pode mais retornar ao que foi criado. Deus que é não-criado sustenta a vacuidade da alma, e a preserva. A alma que assim ousou se tornar nada, por si mesma não pode retornar, pois se lançou tão longe de si mesma. Isto se passa forçosamente assim, pois, como eu há havia dito, Jesus foi ao templo e dali varreu os vendilhões, e os que compravam e vendiam, e disse, “Levem isto daqui!” .

Notem que não havia ninguém exceto Jesus, no momento em que Ele falou no templo. Disto estejam seguros: se mais alguém, além de Jesus, fosse falar no templo (que é a alma), Jesus nada diria, como se não se sentisse à vontade, pois ali estariam estranhos hóspedes que a distrairiam. Mas se Jesus for falar na alma, ela deve se encontrar completamente só, e aquietada para poder ouvir o que será dito. E, digamos, se Ele entrar e falar, o que diz? Ele diz aquilo que Ele é. O que é Ele, finalmente? Ele é uma Palavra do Pai. Nesta mesma Palavra o Pai se exprime a Si, e toda a natureza divina e tudo que Deus é, assim como Deus está ciente daquilo, e de como aquilo é. Sendo pois perfeito no conhecimento e no amor, Ele também é perfeito no discurso. Ao dizer a Palavra, Ele a diz e a todas as coisas em uma outra pessoa, a quem Ele deu a mesma natureza que a Sua. E a forma como Ele fala esta Palavra em todos os espíritos racionais, é como esta Palavra tem sua imagem dentro Dele. E contudo, quando cada imagem acontece, tendo existência própria, não é idêntica em tudo à Palavra. Mas todos têm o poder de ganhar esta semelhança, pela graça desta Palavra, e a Palavra tal qual é, é dita pelo Pai — a Palavra com tudo aquilo que a inclui. 


Já que é o Pai que o diz, o que diz Jesus à alma? Como eu já disse, o Pai diz a Palavra, e então Jesus fala na alma. Sua forma de se exprimir é revelar o que o Pai disse a Si, de acordo com a capacidade que cada espírito tem de receber isto. Ele revela a autoridade do Pai no espírito, em um poder igual e sem limites. Recebendo esse poder no Filho através do espírito, este recebe força em tudo que faz, e se torna equânime e poderoso em todas as virtudes, e na unidade perfeita, de tal forma que nem a tristeza ou a alegria, nem nada criado por Deus no tempo, possa destruir a pessoa, mas para que ele fique estável, como se possuísse forças divinas, em vista do que as demais coisas se tornam fúteis e pequenas. Em segundo lugar, Jesus se revela na alma em infinita sabedoria, como Ele é em Si mesmo. Nesta sabedoria o Pai Se conhece a Si mesmo, em toda Sua autoridade paterna, e àquela palavra também, que é a própria sabedoria, e tudo aquilo que a ela diz respeito. Quando esta sabedoria se estabelece na alma, a dúvida, o erro e a escuridão quedam-se resolvidos, e ela se estabelece numa luz pura e brilhante que nada mais é que Deus mesmo, como diz o Profeta: “Senhor, é em Tua luz que a Tua luz conheceremos”(Ps., 36:9). Então Deus é reconhecido por Deus na alma; através dessa sabedoria ela se conhece, e a tudo mais; e esta sabedoria se conhece através de si própria; e com esta mesma sabedoria conhece o poder do Pai no trabalho frutífero, e no Ser essencial na unidade simples do vazio indiscriminado.

Jesus revela a Si mesmo de outra forma, em Sua doçura infinita, e em Sua riqueza que transborda e jorra a partir do Espírito Santo, rica e docemente em todos os corações receptivos. Quando Jesus se revela através desta riqueza e doçura, e está unido à alma, a alma corre para si mesma com esta riqueza e doçura, além de todas as coisas, pelo poder e graça, sem intermediários, até fazer uso da fonte original. Neste momento o homem externo será obediente ao interno até a morte, e para sempre estará em paz no serviço de Deus. Para que Jesus possa em nós entrar e limpar e remover todos os obstáculos de corpo e mente, e nos tornar unos, assim como uno Ele é com o Pai e o Espírito Santo, um só
Deus, para que possamos nos tornar, e permanecer unidos a Ele por toda a eternidade, a tal nos ajude Deus.

Amém.

Meister Eckhart in Sermões Alemães, vol.1.