quinta-feira, 15 de maio de 2014

Quis custodiet ipsos custodes?


Primeiramente eu gostaria pedir para que deixassem o Thomas Hobbes em paz! Não "regredimos para o estado de natureza", como algumas pessoas tem alardeado pela rede. Não podemos ter regredido para esse ponto, pois as instituições ainda existem, e apesar de funcionarem parcamente, estão aí. Existem leis, existem instituições e há um governo, apesar das leis serem desrespeitadas, das instituições estarem sucateadas e do governo se omitir das questões sociais, mas estes personagens continuam por aí.

Mas, e o povo? Cadê todas aquelas pessoas que foram às ruas pra bradar o fim da corrupção, meses atrás? Muitos estão agora criticando os policiais pela greve, imputando à categoria a responsabilidade pelo caos. Essa camada merece uma consideração a parte,
dos homens pode-se dizer, geralmente, que são ingratos, volúveis, simuladores, tementes do perigo, ambiciosos de ganho; e, enquanto lhes fizeres bem, são todos teus, oferecem-te o próprio sangue, os bens, a vida, os filhos, desde que, como se disse acima, a necessidade esteja longe de ti; quando esta se avizinha, porém, revoltam-se. E o príncipe que confiou inteiramente em suas palavras, encontrando-se destituído de outros meios de defesa, está perdido: as amizades que se adquirem por dinheiro, e não pela grandeza e nobreza de alma, são compradas mas com elas não se pode contar e, no momento oportuno, não se torna possível utilizá-las. Maquiavel, O Príncipe. Cap. XVII
Não são bandidos apenas os que estão aproveitando essa omissão da vigilância para promover saques e essa onda de violência. Existem muitos "cidadãos de bem" que se aproveitaram das lojas arrombadas e dos caminhões revirados para tirar a sua vantagem.

A grande questão é que se temos um Estado que agoniza com uma crise endêmica e por outro lado assistimos ao desenvolvimento de um projeto para a cidadania ainda insipiente, que é ávida por direitos, mas descumpridoras de seus deveres e ignorantes da própria condição.

Não podemos sequer falar em retrocesso para um Estado que desconfio que nunca saímos de fato. Simplificar a teoria do Hobbes pra dizer que estamos numa pior é ignorar as sutilezas dessa transição entre os estados e ainda considerar a hipótese de termos vivenciado um dia a paz e a segurança que a civitas poderia proporcionar aos seus habitantes.

É comum aqui no Brasil se colocar a culpa da greve nos grevistas, além de toda a responsabilidade pelas perdas e danos que causadas pela paralisação. A sociedade ainda não compreendeu que isso faz parte do jogo democrático e que lamentavelmente as perdas são grandes. Do lojista saqueado ao trabalhador assaltado nos ônibus. Ninguém ganha com isso.

Mas experimentem inverter o filtro e o resultado não será diferente.

Num outro post em que eu falei das crise intitucional e da situação da Polícia, não mencionei os abusos que esses profissionais passam diariamente. São mal pagos, são mal vistos pela sociedade e mal quistos.

O argumento de inconstitucionalidade é legal, mas não considero esse argumento legítimo, porque não dá amparo ao trabalhador que escolheu esse ofício. E se observarem bem, verão que o Estado não garante as condições mínimas para o cumprimento do cargo. São coletes com blindagem vencida, e policiais civis trabalhando com armamentos insuficientes. Adicione ainda a gratificação de apenas R$ 500,00 pelo risco de trabalhar na rua e o resultado de uma greve não poderia ser diferente.

Há quem ainda argumente que a escolha pela carreira policial foi um desejo do indivíduo e que a submissão à investidura do cargo público deve ser plenamente acatada. O nível sordidez destas pessoas é algo a se considerar, por mesmo com tudo isso, ainda incriminam os policiais, negando-lhes o direito de manifestação, desta vez como humanos e cidadãos que de fato são.

Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Artigo XXIII diz que
1.Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.
3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses.
O direito à desobediência civil é inalienável ao homem livre e consciente de sua condição, mesmo que este no seu cotidiano esteja "no outro lado" das trincheiras, defendendo muitas vezes aquele que nos oprime. Nesse momento, enquanto estão em greve, por instantes estamos juntos do mesmo lado e seria pouco inteligente de minha parte criticá-los por defenderem seus direitos. Porque em se tratando da exploração sofrida, nos unimos pela mesma dor.

O Vosso tanque General, é um carro forte:
Derruba uma floresta e esmaga cem homens
Mas tem um defeito:
Precisa de um motorista 

O vosso bombardeiro, General, é poderoso:
Voa mais depressa que a tempestade e transporta mais carga que um elefante
Mas tem um defeito:
Precisa de um piloto. 

O homem, meu general, é muito útil
Sabe voar e sabe matar
Mas tem um defeito:
Sabe pensar